Gosto de andar de ônibus pela cidade. Amigos costumam dizer que tenho complexo de pobreza. Mas não é isso. Embora a qualidade do serviço quase sempre deixe a desejar, o que me impulsiona é a possibilidade de encontrar personagens únicos de histórias diversas de alegria, dor, indignação, equívocos.
Manhã de sábado. Embarco no ônibus na zona norte para um trajeto de dez minutos até o centro da cidade. O coletivo não está lotado, mas todos os assentos estão ocupados. No fundo, gentilmente a jovem mãe põe o filho pequeno ao colo para que eu possa me sentar. O garotinho deve ter no máximo uns cinco anos de idade. Mãe e filho conversam enquanto o ônibus segue. Compartilho o banco e tento não prestar atenção no diálogo, mas aos poucos, aguço os ouvidos. É inevitável.
- Mãe, tô com saudade do meu pai, diz o garoto.
- Tudo bem, filho. Quando a gente voltar você pega a foto dele. Eu já disse pra você quando sentir saudade do papai é só pegar a foto dele, responde a mãe, delicadamente. E tenta mudar de assunto.
- Vamos na loja da tia Kel, comprar uma calça para a mamãe. Estou precisando de uma calça nova, né?
O garoto insiste:
- Mãe, eu queria tanto ir ver o meu pai....
- Mas é longe, filho. A gente tem que andar bastante. E a mamãe mandou o carro pra arrumar...
Nessas alturas, pensava comigo mesma: "deve estar preso. E o Centro de Detenção e Casa de Custódia ficam mesmo longe e fora de mão..."
Novo silêncio, breve, seguido por nova tentativa da mãe:
- Vamos comprar coisas para seu aniversário hoje, o que você acha?
- Já é meu aniversário? pergunta o garoto
-Não, passa esta semana, a outra e é só na outra, mas a gente pode comprar bexigas, lembracinhas...O que você acha?
- Hum, hum...concorda o menino com a cabeça. Olhando pela janela, ele volta a carga.
- Mãe, meu pai não vai voltar né....
- Não filho. Agora ele está com o papai do céu. Lembra que eu te disse que quem vai morar com o papai do céu não volta mais...Eu já expliquei pra você...
- Mas eu queria tanto que ele "voltava"...
- Mas eu já expliquei pra você...
Silêncio de novo. O coração aperta e não resisto. Coisa mais feia é compartilhar da conversa alheia depois de se fazer de surda mas me viro para a mãe e pergunto:
- O que aconteceu com o teu marido?...
-Ele parou de moto no sinaleiro e o caminhão pegou ele...., conta enquanto o pequeno olha pela janela. Ela vê minha expressão de espanto com a tragédia e completa. - Faz tempo já. Aquele ali (outro garotinho de uns dois anos que dormia no colo da avó no banco do lado) era pequenininho ainda. Mas este aqui, como era maiorzinho, fala sempre do pai...
- Eu nunca vou esquecer meu pai, nem você né mãe....
- É filho....
O coletivo pára na plataforma do Terminal Urbano e eu me levanto rapidamente para desembarcar. Grudo nos braços de minha filha com os olhos úmidos, comovida com a fugacidade da vida e a precocidade do sentimento de perda e saudade. Suspiro fundo. E sigo.
DASH CAM A CAMINHO
Há um ano
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